Cultura

Filósofo fala sobre 'O valor do amanhã', nova série do 'Fantástico'

RIO - Série que estréia neste domingo no "Fantástico", "O valor do amanhã" será comandada pelo economista e filósofo Eduardo Giannetti. Nesta entrevista, Giannetti fala sobre o dilema de pensar no futuro sem deixar de aproveitar o presente, mote do programa inspirado no livro homônimo de sua autoria. E, a cada abertura de um episódio, no total serão dez, o ator Matheus Nachtergaele vai dramatizar célebres histórias que tocam na questão de como podemos e devemos negociar o nosso tempo. Esse quadro pode deixar as pessoas angustiadas? Tipo: nossa, o tempo passou, e agora? Ou há sempre como recuperar o tempo perdido?

EDUARDO GIANNETTI: O objetivo da série não é dar respostas prontas ou prescrever um tipo de vida, mas, sim, plantar a semente de algumas dúvidas na cabeça das pessoas. A abordagem, nesse aspecto, e puramente socrática: "a vida não examinada não vale a pena ser vivida". O ideal é que a semente dessas dúvidas provoque algum tipo de diálogo interno na mente das pessoas, um diálogo em que elas se perguntem até que ponto suas escolhas no tempo são consistentes, se elas refletem de fato os seus valores e os seus projetos de vida. Creio que uma certa dose de angústia pode ser um elemento importante no desenvolvimento pessoal. O fato inescapável é que estamos fazendo escolhas no tempo todos os dias de nossas vidas, estejamos ou não cientes disso. A idéia da série não é prescrever um padrão de escolha, mas trazer essa questão para a vida prática e dar instrumentos para que possamos fazer o melhor de nossas oportunidades. O jogo das trocas no tempo está sempre recomeçando de novo.

"Pôr mais vida em nossos anos ou pôr mais anos em nossas vidas?". Muita gente, principalmente os jovens, pensa assim: ah, o mundo pode acabar amanhã, o aquecimento global é uma realidade, por que irei esquentar minha cabeça acordando cedo para estudar? Você vai discutir isso?

GIANNETTI: Boa questão. A psicologia natural dos jovens tem traços bem definidos: a vida como uma sucessão de momentos isolados a serem plenamente desfrutados, um de cada vez. Ou, como dizia James Dean, "viver cada dia como se fosse o último e sonhar como se fosse imortal". A impulsividade dos jovens tem raízes na biologia. Acontece, porém, que vivemos num mundo em que os jovens são chamados a fazer escolhas de longo alcance: escolhas profissionais, afetivas e comportamentais que afetarão sua trajetória por muito tempo. Essa realidade se torna ainda mais poderosa num momento em que a expectativa de vida ao nascer aumenta muito e passamos a viver 80 a 90 anos em média. As implicações desse fato são tremendas. Creio que um grande desafio para quem se ocupa da educação dos jovens é mostrar a eles que a vida não se reduz a uma sucessão de momentos isolados entre si, ou seja, que o mundo não vai terminar amanhã, que o futuro que cada um tem pela frente precisa começar a ser construído desde já e que escolhas têm conseqüências. "A juventude", dizia La Rochefoucauld, "é uma longa intoxicação", mas um dia essa intoxicação termina. Se a ressaca é inevitável, o desafio é fazer com que ela seja ao menos administrável.

Você acha que sua vida esteve mais para formiguinha ou cigarra?

GIANNETTI: A cigarra e a formiga habitam o cérebro de cada ser humano. A neuroeconomia mostra isso. Simplificadamente, a cigarra é o sistema límbico, e a formiga e o córtex pré-frontal. As negociações entre as duas nos acompanham por toda a vida e ambas têm um papel a cumprir. Se uma delas prevalecesse sempre, a vida perderia muito do que tem de deliciosamente belo, misterioso e imprevisível. Seríamos não mais que autômatos calculistas (formiga) ou primatas desmiolados (cigarra). Ás vezes, penso que gostaria de ser um pouco mais cigarra do que sou, menos orientado ao futuro e menos calculista nos meus atos. Mas também me acontece de pensar o contrário, por exemplo quando vejo os anos passando e imagino tudo que ainda gostaria de fazer e criar no tempo que me resta. Gostaria de me organizar e disciplinar para realizar projetos literários de longo prazo.

Como surgiu a idéia de escrever o livro que deu origem ao programa?

GIANNETTI: O tema do livro tem me acompanhado há cerca de 30 anos. Sempre fiquei intrigado com a diferença que existe no modo como pessoas e culturas distintas lidam com as escolhas no tempo. Queria entender as raízes do imediatismo e da capacidade de espera na psicologia do animal humano. Em tudo o que lia nessas três décadas, ficção e não-ficção, registrava por escrito as passagens e argumentos que tocavam nessa questão. Mas ainda estava remando de costas para o objetivo que depois virou escrever o livro. A hora da virada, quando coloquei o barquinho de frente para o alvo, foi quando li o artigo de um biólogo inglês chamado William Hamilton, tratando o processo natural de envelhecimento a que estamos sujeitos como uma troca no tempo. O título do artigo era "live now, pay later". Quando me dei conta de que as trocas no tempo estão presentes no mundo natural, muito antes de se tornarem escolhas conscientes dos humanos, tive a certeza de que precisava ir fundo nesse assunto e escrever sobre ele. Embora o livro não trate de modo explícito e aberto do Brasil, creio que jamais o teria escrito se não fosse um brasileiro preocupado com os dilemas e promessas de nossa cultura.